27 maio 2007

DELICIOSAS PORCARIAS


"Se você já enjoou da gororoba de sábado – a feijoada medíocre do cunhado, a abominável lasanha da mamma –, experimente mudar de classe social. Explico: esqueça que você é um cidadão ou cidadã da classe média, com ares de bacana, e mergulhe decorpo e alma no roteiro da baixa gastronomia de Curitiba. São multidões de pastéis, sanduíches, empadas, empanadas, crepes, espetinhos, bolinhos, croquetes, bocados vários. Delícias que se oferecem à gula do passante em barracas, tascas, botecos, biroscas – quando não em isopores volantes e tabuleiros improvisados. O preço? Um real, em média. Às vezes um pouco mais, se o objeto do desejo for um acarajé ou um filé de cavala. Onde? Na área central da cidade. Particularmente nos lugares mais freqüentados pelo povão, imediações da praça Tiradentes e terminal da Rui Barbosa, ou talvez ali pela Osório e Rodoviária Velha. Ali, justo onde o subúrbio desce em pencas para celebrar o sábado, pois é para o audaz morador do subúrbio que o óleo chia na fritadeira, que o balcão do chinês se paramenta de alvas toalhas de massa, que o carvão dos grelhados desprende alegres e plebéias fagulhas. Mas vá com calma. Diz a regra que não se deve repetir o mesmo petisco, por mais apetitoso que lhe pareça. Nada de desperdiçar o sábado na primeira barraca. O roteiro da baixa gastronomia de Curitiba assemelha-se ao caminho de Santiago de Compostela – há que se andar de um ponto a outro, larga distância, mantendo o estômago em moderada penitência. Uma boa dica é começar pela Praça Generoso Marques no flanco direito do Museu Paranaense. Ali, aos sábados, à sombra do vetusto edifício, aninha-se a Feira do Litoral – profusão de farinhas, melados, pescados, balas de banana, rapaduras. Esqueça-os, entretanto, e concentre sua gula no bolinho de camarão, iguaria feita à base de generoso pirão de mandioca sobrenadado de pedacinhos de crustáceo. Prove apenas um, pois seu roteiro está apenas começando. A seguir, já em outra latitude, tente um pastel. Mas não esqueça: pastel se escolhe pelos olhos. Há que ter os olhos oblíquos e apertadinhos do dono – chinês ou japonês. São eles os reis da massa frita. O de palmito, evite: abusivo mingau de farinha no recheio. Melhores os de carne, mais secos e lépidos. Mas não queira saber como são feitos. Aquelas bolhas crocantes, que se esfarelam na língua, conseguem-se acrescentando pelota de sebo de boi derretida na massa. E o delicioso recheio – carne de segunda à qual se agrega dose de ração canina amolecida na água. Mas não se preocupe. Se não faz mal ao seu cãozinho, não fará mal a você. Sabedoria oriental. Do pastel você seguirá adiante, enveredando por outros sabores. Um quibe nada ortodoxo, por exemplo, ocultando em seu bojo um ovo cozido inteiro. Ou um churrasco grego, servido no pão, faca muito afiada desbastando uma coluna de carnes superpostas num espeto. Ou uma empanada, disputada por chilenos e argentinos, embora os bolivianos jurem que já a conheciam há mais tempo... Igual ao caminho de Santiago, composto de vários trechos, esse é um pequeno trecho do roteiro da baixa gastronomia de Curitiba. Igual àquele, também oferece perigos – mas nada que a renovada fé em Deus e um bom anti-histamínico não possam curar."
Jamil Snege (GAZETA DO POVO CADERNO G ,15 out. 2000)

Nenhum comentário: